Pelo lado sanitário, não é certo que haverá vacina e, mesmo se houver, não é garantido que ela esteja disponível para todas as pessoas
A expectativa de piora no mercado de trabalho em diversos países, incluindo o Brasil, combinada com a redução de estímulos fiscais e dos programas de proteção ao emprego, estão entre as principais ameaças à recuperação da economia no próximo ano, período que ainda deverá ser afetado pela pandemia do novo coronavírus.
Essa é a avaliação feita por economistas do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getúlio Vargas durante debates realizados nesta segunda-feira (5) para avaliar as expectativas para a economia doméstica e internacional.
Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, afirma que, ao longo de 2021, o mundo ainda deverá viver esse "novo não normal" de convivência com o vírus.
Pelo lado sanitário, não é certo que haverá vacina e, mesmo se houver, não é garantido que ela esteja disponível para todas as pessoas e que seja possível alcançar nesse prazo uma imunidade de rebanho.
Pelo lado econômico, apesar do aumento da mobilidade com o afrouxamento da quarentena, a atividade não se recuperou totalmente e nem de maneira uniforme entre todos os setores.
A retomada também será afetada pela necessidade de se conviver com algumas restrições diante de um número ainda alto de casos de contaminação.
"Não acho que esse padrão vá mudar de forma significativa nesse novo não normal. Uma consequência é que o mercado de trabalho vai continuar retraído", afirma Castelar.
O economista do Ibre José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central, afirma que a situação nos EUA é de lenta recuperação do mercado de trabalho, o que sinaliza falta de confiança por parte de quem contrata.
Na Europa, medidas de retenção de emprego têm segurado em algum grau as perdas de postos de trabalho, mas é provável que haja aumento das demissões na medida em que esses programas cheguem ao fim.
Senna afirma que a retirada do apoio fiscal deixará muitos países apenas com o suporte monetário, mas que juros baixos não constituem o instrumento mais adequado para lidar com uma pandemia como a atual.
Segundo ele, a política monetária vem perdendo eficácia nos países avançados há um bom tempo e também não é capaz, neste momento, de convencer as pessoas a consumirem serviços em que haja aglomeração.
"A medicina está até melhor que a economia, pois ainda há uma esperança. A luta é por descobrir os instrumentos, no caso, medicamentos eficazes ou uma vacina. Na economia, a precariedade dos instrumentos é um drama", diz Senna.
"O estímulo monetário não induz as pessoas a ampliar a demanda por certos serviços, e os trabalhadores desses serviços não são beneficiados. As transferências fiscais diretas têm mais eficácia, mas isso é distinto de um impulso de demanda mais permanente", afirma.
Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre, afirma que também no Brasil o processo de recuperação depende muito do mercado de trabalho, uma questão que se torna mais desafiadora em um país com alto nível de informalidade e de pessoas trabalhando nos segmentos de serviços mais afetados pela crise e que não dão sinais de que voltarão aos níveis pré pandemia.
O Ibre projeta uma taxa de desemprego passando dos cerca de 14% mais recentes para um pico de 16% durante o ano de 2021.
"Ainda vamos ver uma piora na taxa de desemprego quando as pessoas voltarem ao mercado de trabalho. No segundo semestre do ano que vem a gente pode ter alguma normalização, mas ainda com muita incerteza. A taxa média do ano que vem será superior à desse ano", diz Matos.
Para Matos, o governo conseguiu compensar a queda na renda neste ano por meio de auxílios, mas será praticamente impossível evitar uma perda em 2021. Um programa como o Renda Cidadã pode atenuar o choque da retirada desses estímulos, desde que se respeite o espaço no Orçamento e no teto de gastos.
O Brasil fez um pacote de estímulos de 12% do PIB (Produto Interno Bruto), patamar próximo ao de países desenvolvidos e bem superior ao da maioria dos países da América Latina.
"O problema todo é que o cobertor sempre é curto. A gente não tem fôlego para continuar nessa política fiscal expansionista dessa magnitude, como de países desenvolvidos. Isso amorteceu o choque, mas também criou uma dependência muito grande. Na medida em que a gente não tiver mais essas transferências, a situação deve ser mais dramática. Esse é um ponto que preocupa muito do ponto de vista de consumo das famílias."
Castelar diz que o Brasil fez um pacote do tamanho do programa da Alemanha como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), mas que o país europeu praticou uma política de austeridade e fez superávit nas contas públicas por muitos anos, situação muito diferente da brasileira. Por isso, possui espaço para seguir com novos estímulos, o que também é o caso de vários outros países desenvolvidos.
Afirma ainda que o estímulo fiscal entrou porque a demanda privada caiu com muita força e que o grande problema será como recuperar essa demanda.
"A resposta é essa, como a gente consegue fazer com que a demanda privada cresça para além da venda no varejo e da questão da indústria. O desafio maior são os serviços, que é o grande setor da economia lá fora e aqui. A questão é como a demanda privada se recupera e quais os limites dos instrumentos para fazer isso", diz Castelar.