Por: Mariana Zylberkan
Blocos de Carnaval vão exigir ingressos para a entrada de foliões em eventos gratuitos em locais públicos da capital paulista marcados para o feriadão de Tiradentes. No período também ocorrerão os desfiles das escolas de samba no sambódromo do Anhembi, adiados devido à pandemia de Covid.
A nova modalidade de Carnaval de rua foi divulgada, por enquanto, pelo bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, no vale do Anhangabaú, e pelo coletivo Pipoca, no Monumento às Bandeiras, na região do parque Ibirapuera, entre os dias 23 e 24 de abril.
Para participar, é preciso se cadastrar de forma gratuita em um site de venda de ingressos e baixar uma entrada virtual. Os organizadores pedem que o passaporte da vacina seja anexado ao cadastro.
A exigência de ingresso para participar de eventos gratuitos em locais públicos tem sido criticada por integrantes de outros blocos e estudiosos do Carnaval de rua.
Para Guilherme Varella, advogado e especialista no tema, o uso de ingresso para entrar em espaços públicos fere o decreto municipal do Carnaval de rua, atualizado pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB).
O trecho proíbe qualquer tipo de segregação em vias públicas durante o período de Carnaval, como cobrança de abadás e instalação de cordas nos desfiles realizados nas ruas, como é tradição nas festas em Salvador, na Bahia, por exemplo.
Para Varella, o Carnaval de rua é uma manifestação cultural garantida pela Constituição Federal não necessariamente atrelada a um calendário.
"Quem diz se vai ter ou não são os blocos que vão para as ruas. Se terá sambódromo e Carnaval no feriado de Tiradentes, por analogia, o decreto deve passar a valer", avalia.
Questionada sobre a validade do decreto na programação carnavalesca fora de época, a Prefeitura de São Paulo não se pronunciou diretamente sobre o tema.
A gestão afirmou apenas que o Carnaval de rua em 2022 foi cancelado em novembro do ano passado com base em "dados técnicos apresentados pela Vigilância Sanitária" e que não houve tempo hábil para a organização dos desfiles de blocos de rua.
"A prefeitura espera que as entidades que representam os blocos de Carnaval de rua respeitem as decisões anteriores e, assim, evitem eventos sem o aval e a organização por parte do poder público."
Também em nota, a administração municipal negou ter recebido pedido de autorização para os eventos anunciados pelo bloco Acadêmicos do Baixo Augusta e pelo coletivo Pipoca.
Em resposta enviada à reportagem, o bloco Acadêmicos do Baixo Augusta disse que a autorização não foi comunicada à prefeitura porque o evento será realizado no vale do Anhangabaú, "atualmente uma concessão à iniciativa privada". "Todas as autorizações para o evento estão em trâmite normal", segundo o grupo.
Além disso, o bloco argumentou que o decreto que proíbe a segregação em locais públicos não está vigente porque "não estamos em período de Carnaval". "Se houvesse decreto, teríamos o Carnaval de rua nas ruas", completou.
Já o diretor do coletivo Pipoca, Rogério Oliveira, disse que, por estar fora do período de Carnaval, o pedido de autorização seguiu os trâmites burocráticos para eventos temporários, "que qualquer empresa pode apresentar à prefeitura".
Oliveira contou que foi comunicado de um pedido informal da prefeitura para que o evento não fosse realizado em local público e fosse transferido para um endereço privado. A mudança, de acordo com ele, está sendo estudada pela organização, que reúne nomes como Elba Ramalho, Monobloco, Orquestra Voadora, Geraldo Azevedo e Luedji Luna.
Oliveira afirma que a necessidade de controle sanitário é a razão para a apresentação do ingresso virtual gratuito para o evento no Monumento às Bandeiras. "De forma alguma é para excluir", afirmou.
"Nós gostaríamos de ter uma noção do tamanho do público para evitar uma superlotação do local e saber quantas pessoas seriam necessárias para fazer o controle do passaporte sanitário", disse também.
Ainda segundo o diretor, caso a prefeitura não se oponha aos eventos independentes no feriado de Tiradentes, as apresentações do coletivo Pipoca serão realizadas na rua, sem ingresso.
"Depois de dois anos sem Carnaval, a cidade e os foliões merecem um carnaval gratuito e massivo", diz Oliveira.
PATROCÍNIO
Na divulgação do evento dos Acadêmicos do Baixo Augusta nas redes sociais, o bloco marcou a hashtag da marca de cerveja patrocinadora e publicou aviso de que a entrada será restrita e limitada a vacinados contra Covid-19.
O evento do coletivo Pipoca também é patrocinado por duas marcas de cerveja.
Na visão de Varella, o ato de fechar o espaço público a partir da exigência do ingresso virtual é uma forma de monetizar os dados pessoais dos foliões, preenchidos para conseguir a entrada, e de dar exclusividade indevida aos patrocinadores.
"Isso é resultado do vácuo deixado pela prefeitura, que está ignorando o Carnaval de rua. O diálogo com os blocos foi fragilizado após dois anos sem os desfiles, o que abriu brecha para a iniciativa privada tentar dominar o espaço público", diz.
Nesta segunda-feira (4), seis coletivos que reúnem mais de 420 blocos na cidade divulgaram manifesto em que anunciam a intenção de ir para rua durante o feriado prolongado. "Nossa festa vai tomar forma e acontecer nas ruas, esquinas, vielas e praças de nossa cidade como sempre aconteceu."
O manifesto diz ainda que "o sambódromo já está com a festa marcada e não há justificativa para proibir o Carnaval de rua livre, diverso e democrático, neste abril de 2022". Os coletivos escrevem também que contam com a lei a seu favor, uma vez que "a garantia da manifestação livre é um direito constitucional".
Diante do cancelamento dos desfiles de blocos de Carnaval, uma profusão de festas pagas se espalhou pela cidade durante o feriado em fevereiro. Baladas que reuniram blocos habituados a atrair milhares de foliões nas ruas chegaram a cobrar R$ 1.500 a entrada.
O fenômeno foi criticado por parte dos organizadores de blocos e estudiosos de cultura popular que o classificaram como uma espécie de segregação social. Eles se opuseram ao que chamam de "cancelamento seletivo", que, na prática, define quem tem e quem não tem direito à folia.