Ana Estela de Sousa Pinto (Folhapress)
Estados Unidos e União Europeia encerraram nesta terça (15) a batalha entre as fabricantes de aviões americana Boeing e europeia Airbus, que já dura 17 anos. O acordo foi negociado durante a cúpula entre o presidente dos EUA, Joe Biden, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Em seu perfil no Twitter, von der Leyen afirmou que o acordo "abre um novo capítulo em nossa relação porque passamos de litígio para cooperação em aviões".
Na mesma linha, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, disse a jornalistas que o acordo "permite começar a virar a página em uma longa disputa". As conversas entre diplomatas e negociadores para encerrar a disputa sobre subsídios para aviões avançaram na noite desta segunda, e os representantes de Comércio da UE, Valdis Dombrovskis, e Tai, se reuniram ao menos três vezes.
Segundo a mídia europeia, o acordo deverá suspender as tarifas retaliatórias num período de cinco anos, no qual um grupo de trabalho criado especialmente para isso discutirá limites de subsídios, para prevenir desavenças futuras.
A pausa deve significar um alívio de ao menos US$ 11,5 bilhões (R$ 58 bi) em tarifas aplicadas a partir do final de 2019, US$ 7,5 bi nos EUA sobre exportações europeias e US$ 4 bi na Europa sobre exportações americanas.
A batalha em torno dos fabricantes de aviões é a maior disputa comercial entre os dois blocos, cuja corrente comercial de bens em 2020 chegou a US$ 550 bilhões (R$ 2,78 tri), segundo a UE. EUA e o bloco europeu são mutuamente seus principais parceiros comerciais, tanto em produtos quanto em serviços - em 2019, o comércio de serviços gerou US$ 420 bilhões (R$ 2,13 tri).
Em março, os dois lados da disputa concordaram em suspender por quatro meses as tarifas retaliatórias, para negociar uma solução. O prazo se encerra em 11 de julho. Entre os pontos que travavam uma solução para a questão estavam a pressão da UE para que as regras de subsídio se estendessem também a contratos de defesa e fundos de pesquisa e desenvolvimento, e uma divergência sobre o tamanho do fundo de ajuda estatal necessário para recuperar a Airbus.
Como notou Florian Eder, editor do Brussels Playbook, um acordo sobre as duas gigantes da aviação encerrará uma questão que sobreviveu a três presidentes dos EUA, cinco representantes comerciais dos EUA e seis comissários de Comércio da UE. Se os líderes chegarem a um compromisso, a UE ainda terá que obter o apoio de seus membros fabricantes de aviões, como França, Alemanha e Espanha.
O restabelecimento da parceria entre os dois lados do Atlântico e uma aproximação maior na visão da China como um oponente comum pode ajudar na solução. Um dos temores é que, se as companhias americana e europeia continuarem se enfraquecendo mutuamente, abrem espaço para que as chinesas avancem no mercado de aeronaves civis, cada vez mais influenciado por tecnologias digitais, que a China domina.
A União Europeia também pressiona por mais rapidez na solução de outros pontos de atrito, como as tarifas sobre metais, a tributação ambiental e regras de transferência de dados. Antes do encontro do G7, o comissário Dombrovskis chegou a dizer que Biden precisa "fazer na prática o que prega".
Na entrevista após o fórum de nações industrializadas, porém, a uma pergunta sobre a escalada tarifária, o presidente americano respondeu: "Dê um tempo! Estou há apenas 120 dias no cargo".
Biden sofre pressão do setor siderúrgico americano para manter proteções no caso do aço e alumínio, e a União Europeia critica a falta de transparência dos EUA sobre como garantir a privacidade de informações de cidadãos europeus, no caso da transferência de dados.
Na área ambiental, a discórdia é em torno da taxa de fronteira de carbono, que a Europa quer cobrar em importações de alumínio, cimento, fertilizantes e eletricidade, para compensar o custo mais baixo dos vendedores ao produzem em áreas com regras ambientais menos duras que as da UE.
Também não se esperam anúncios de grandes acordos comerciais entre os dois blocos, mas de parcerias para coordenar regras e padrões em áreas como inteligência artificial e computação quântica. Sob a gestão Biden, os EUA também devem apoiar a reforma da OMC (Organização Mundial do Comércio), que havia travado durante o governo de Donald Trump.
Durante a reunião do G7, no final de semana, o presidente americano indicou que considera a organização multilateral um caminho viável para combater práticas desleais da China -como subsídios estatais e transferências forçadas de tecnologia-, algo que Trump não acreditava possível.
Apesar dos acenos favoráveis à OMC e de ter destravado a escolha da nova direção-geral da entidade, o governo Biden ainda não desbloqueou porém a escolha de juízes do principal órgão de solução de disputas da organização.