TAP restaurou o espírito do Reino Unido, Portugal e Brasil, 200 anos depois

Os 70 anos da companhia aérea TAP Portugal foram comemorados no ultimo dia 03 de março no cenário e com o mix de convidados ideais. Todos se reuniram no coração de Lisboa, no parque Eduardo VII, nas estufas. Um ambiente de exuberante vegetação e com um microclima próprio. Estávamos em uma festa luso-brasileira em um pedaço lisboeta que poderia se passar cenograficamente pela Amazônia brasileira ou por uma floresta equatorial africana, mas situada em pleno coração da capital portuguesa. Continue Lendo!

O Ministro da Economia de Portugal, Pires de Lima, Antônio Monteiro (diretor de comunicação da TAP) e Fernando Pinto (CEO da TAP )

Por Cláudio Magnavita

Os 70 anos da companhia aérea TAP Portugal foram comemorados no ultimo dia 03 de março no cenário e com o mix de convidados ideais. Todos se reuniram no coração de Lisboa, no parque Eduardo VII, nas estufas. Um ambiente de exuberante vegetação e com um microclima próprio. Estávamos em uma festa luso-brasileira em um pedaço lisboeta que poderia se passar cenograficamente pela Amazônia brasileira ou por uma floresta equatorial africana, mas situada em pleno coração da capital portuguesa.

Entre os convidados de honra, o super ministro da Economia Pires de Lima acompanhado do Secretario de Estado dos Transportes, Sergio Monteiro, o corpo diretivo da TAP encabeçado pelos engenheiros Fernando Pinto e Luiz da Gama Mór e o mercado. Isso mesmo, o mercado. Era a noite de premiação dos maiores vendedores da TAP,

Na noite de velas, boa comida - nem tanto - e bebida (vinhos excelentes), mesas douradas e decoração de casamento, estavam o peso-pesado dos dois mercados que juntos, correspondem a 50% do faturamento da TAP. Os cinco brasileiros homenageados, representam pelo menos 60% das emissões indiretas de todo o mercado verde-amarelo. No lado português, outra tropa de pesos-pesados no emissivo.

Nos discursos das duas lideranças dos agentes de viagens, o presidente da APAVT e da coirmã brasileira ABAV, entidades que representam os agentes de viagens, duas preocupações em comum: a privatização e o futuro da TAP.

A festa foi o retrato mais preciso do paradoxo em que a maior transportadora aérea na rota entre a Europa e Atlântico Sul está presa.

Fala-se em privatização. Palavra que é um mantra nas últimas semanas na imprensa portuguesa, pelo processo já em curso.

Para quem está no outro lado do Atlântico e no qual a maior estatal do país, a nossa petroleira, a Petrobras, foi aparelhada e sangrada para encher os cofres partidários, a presença do estado como acionista é um palavrão.

Ser estatal é estar à mercê da interferência governamental sem eira e nem beira e também de uma proteção legal que camufla uma má gestão com uma reserva de mercado absoluta. Sem concorrência e sem regras de mercado, a estatal, principalmente as brasileiras, são mamutes com problemas paquidérmicos e agora criminais.

No lado de cá do Atlântico, escrevo ainda em Lisboa e sob o efeito do paradoxo que vivenciei na festa de 70 anos, falar em “privatização” chega a ser hilário. Vejam só a lição que aquela noite nos deu: Em um salão de festas, estavam os representantes de 50% do mercado global de uma empresa comercial agressiva, capaz de gerar uma receita anual de 2,2 bilhões de euros. Estavam ali os senhores de um mercado altamente competitivo que escolheram vender TAP pelo produto que oferece, no meio de dezenas de outras concorrentes privadas e competitivas.

A TAP que completa 70 anos é completamente diferente da companhia que há 10 anos comemorou 60 anos com um grande show no Pavilhão Atlântico. Não só em números de passageiros transportados, mas em divisas geradas para Portugal. Voam pela TAP anualmente 11.4 milhões de passageiros, dos quais 75% são de mercados conquistados além Portugal.

Ao ser forçada a se reinventar e buscar mercados além Portugal, a TAP se transformou em um case único da aviação mundial. É, na prática, a empresa de bandeira de dois países - Portugal e Brasil - e estavam todos naquele jantar festivo. É uma reinvenção aérea do conceito de Reino de Portugal, Brasil e Algarves que se criou quando o general Junot, a serviço de Napoleão, chegou as portas de Lisboa e a corte Portuguesa se mudou o para o Rio de Janeiro, em 1808.

O Junot moderno esta transvestido de troika, a trinca econômica internacional que parece querer forçar a migração da corte aérea portuguesa para outros destinos.

A TAP 2015 já foi praticamente privatizada em tudo, a não ser na sua capacidade de alavancar capital.

A TAP que foi obrigada a se reinventar e se estabelecer como líder no tráfego do Atlântico Sul vem fazendo o seu dever de casa há quase uma década e meia. Ao crescer e ganhar musculatura longe de Portugal, a empresa enfrentou uma concorrência acirrada de outras aéreas que ligam os seus ricos países ao Brasil.

O caso mais emblemático é o da Air France, que aproveitou o trilho do voo pioneiro Brasília/Europa e colocou um 777 na rota que agora ameaça a se tornar diária.

A pseudo espanhola Ibéria tentou copiar o modelo da TAP no nordeste brasileiro e fracassou. O tráfego do resto da Europa para Portugal é prioritariamente de conexões para África e América do Sul.

Ao fazer o dever de casa e privatizar-se na eficiência e agressividade comercial, a TAP ficou mesmo dependente da influência do estado português. No exterior pouco se percebe da política portuguesa. Se o governo é do Relvas, do Sócrates ou Coelho ou se haverá eleições no segundo semestre. Este é um mundo à parte. Para o resto do planeta e para o universo da Star Aliance, a TAP é tratada como se privada fosse.

A sua imagem mudou junto com o new look. Nos últimos 14 anos, o manto da ineficiência estatal foi jogado fora. Até porque a proibição da legislação europeia de não permitir o aporte do estado português na companhia levou a busca desta eficiência como a única forma de gerar caixa.

Mérito também de uma sucessão de governos que apostaram no modelo de gestão e evitaram ao máximo a tentação de meter a mão na gestão da TAP. O comando técnico deu certo, acabou a era de administradores indicados pelo partido que estava no poder e houve continuidade no planejamento. Fato raro até em empresas privadas, que trocam de comando e estratégia a partir da mudança da titularidade do capital.

OS PARADOXOS

O paradoxo ou o festival de paradoxos que a empresa está presa chega a ser irônico. Atualmente, a TAP tem muito mais a ensinar aos seus possíveis compradores do que a aprender com eles. Na lista de possíveis controladores, estão algumas nanicas de atuação regional e que parecem despreparadas para digerir uma empresa global.

Ao forçar a privatização como única forma de resolver a questão do aporte de capital, está sendo entregue o segundo ou terceiro maior captador de divisas do país. Um risco alto agravado pelas limitações territoriais de Portugal e que precisa oxigenar suas finanças com importações. Na prática, a TAP exporta serviços de alto valor agregado e vai buscar na origem estas receitas, ou seja, pelo menos 1,5 bilhões de euros foram gerados em 2014 no exterior, ou seja, 75% da sua receita vem de fora.

No mundo da aviação, só os árabes conseguiriam montar empresas que se alimentam muito além do seu mercado doméstico. Na América Central, o Panamá também tem um modelo mais tímido apoiado nas asas dos pequenos e valentes boeings 737. Já Dubai é um hub para o Oriente, da mesma forma que Lisboa é o hub do Atlântico Sul. A diferença é que a Emirates e suas coirmãs, se beneficiaram de uma riqueza que jorra do solo. Ao contrário da TAP, que tem o solo da sua matriz bem mais árido e sem petróleo para apoiar seu crescimento. É estratégia pura aplicada.

O que mais assusta nesta equação é o fato dos candidatos brasileiros ligados à aviação estarem sob influência sufocadora do estado brasileiro. A aviação no Brasil é sufocada há décadas por um poder concedente que não compreende a importância vital da aviação comercial para um país de dimensões continentais e desprovido de outros modais de transporte. Se a “compradora” for brasileira, todos os entraves do Custo Brasil virão juntos por tabela.

Por ter a sua matriz em Lisboa a TAP tem vantagens competitivas no Brasil que são extraordinárias. O combustível comprado lá sai mais barato do que pagam as aéreas brasileiras. A remessa de divisas é livre. A TAP tem hoje condições que uma empresa brasileira não possui.

Ao voar para 12 cidades do Brasil, a empresa criou o seu próprio mercado. Quem imaginaria que Porto Alegre fosse uma das rotas mais lucrativas da companhia?

Como o modelo de negócios da TAP é único, achar um acionista que traga sinergia já é alguma vantagem. A conclusão é que haverá sempre perdas, mas parece não haver outra solução.

O pior é que não há sócios com musculatura própria. Quem entrar, entre os players que se habilitam, terá de promover grande alavancagem no mercado financeiro. A incapacidade de se ter uma solução que preserve o modelo original do negócio que a TAP possui é frustrante.

Portugal transformou a sua posição geográfica de entrada na Europa em um ativo inimaginável. Lisboa está no ponto geográfico certo, numa equação ideal para o tráfego pendular de longo curso (idas e vindas dentro do ciclo de 24 horas). É como se Deus, ao criar Portugal tivesse escrito: “você será o grande hub da aviação do século XXI”.

Heresias a parte, sem invocar o Espírito Santo que anda em baixa por estes lados e voltando as origens, Portugal reedita nos ares o que já havia feito no mar. Os descobrimentos tiveram foco na posição mais ocidental do país, que cercado por um só vizinho resolveu crescer para o único horizonte que lhe restava, o além-mar. Uma solução que transformou o país em uma potência mundial.

Séculos depois a sensação que temos é que Portugal não percebe a potência que se transformou novamente no além-mar, agora por meio da sua aviação.

Da mesma forma que o mundo não percebe os nuances da política portuguesa, os portugueses parecem não perceber a grande dimensão estratégica que passaram ter no Brasil e na África por conta da nova TAP.

Com o fim da Varig e agora a LATam, o Brasil perdeu a sua empresa aérea de bandeira. Espaço que foi ocupado pela aviação portuguesa. Na África lusitana, a TAP é também vital.

O futuro da empresa não angustia apenas Portugal. É um problema nosso também. O Turismo internacional para o Brasil, especialmente do nordeste, depende umbilicalmente da TAP.

A sensação é que estarão decidindo, não os destinos da TAP, mas se Portugal se conforma em ser exclusivamente um pais ibérico ou um player global como passou a ser na aviação mundial nos últimos 14 anos.

PROTAGONISMO

A nova TAP trouxe para Portugal um protagonismo que só era visitado nos livros de história. Em plena crise econômica europeia foi a indústria do turismo que mais rápido reagiu e gerou divisas. Só em 2014, o setor cresceu 12%. Até os brasileiros descobriram o Portugal turístico.

Ao permitir que a TAP seja “privatizada” e que mude de dono o Governo tem que analisar para quem ela será entregue. No capital especulativo dos fundos perder ou ganhar faz parte do jogo. Se não der certo eles contabilizam os prejuízos e encerram as operações. Só que a empresa de bandeira não é um negocio qualquer, é um ativo estratégico. É só relembrar o estrago que os espanhóis do grupo Marsans fizeram na Aerolineas Argentina e o próprio negócio da TAP com a Swissair. A compradora suíça era na verdade um castelo de cartas que ruiu e quase levou a TAP junto.

Como ativo estratégico de Portugal e agora do Brasil, a companhia chegou à exaustão dos paradoxos que a prende ao modelo estatal. A sensação é que todos os coelhos (sem trocadilhos) foram tirados da cartola. Ou se capitaliza ou terá um colapso à vista. A renovação de frota e a redução do endividamento só serão possíveis com dinheiro novo. A nova TAP é fruto de um mutirão que uniu gestão estratégica, funcionários competentes e apaixonados pela empresa e governos que respeitaram esta equação e tentaram não atrapalhar.

Na festa dos 70 anos, a TAP mostrou que possui mercado, musculatura comercial e reinventou o conceito do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, designação assumida pela corte em 16 de dezembro de 1815, ou seja, há exatamente 200 anos.

O Algarves entrou na denominação como referencia as terras do norte de África (Marrocos) que Portugal queria reintegrar.

Este conceito tripartite (incluindo África) com a elevação do Brasil de colônia a reino há dois séculos nos deixa uma lição. Não foi exatamente isso que a festa dos 70 anos mostrou? Ao representar 1/4 das receitas da nova TAP, percentual igual ao gerado em Portugal os dois mercados se equipararam. Portugal e Brasil só conseguiram igual equivalência de status há 200 anos. Não estaria na hora de capitais portugueses e brasileiros se unirem para buscar uma solução de alto nivel? Uma solução que tirasse de cena jogadores e aventureiros? Uma SPE - Sociedade de Propósitos Específicos bi-nacional poderia ser a solução mais segura para os dois países que precisam de uma nova TAP sadia.

Se a formula precisa de sinergia, que haja uma inversão. Ao invés de uma nanica comprar a TAP, a SPE é que compraria a doméstica brasileira. Se aceitarmos uma marca colombiana nos nossos céus e em breve uma chilena por que não ter uma TAP Brasil no domestico?

Como na pratica a TAP deixou de ser “estatal” há 14 anos, o nível de eficiência é um oasis dentro do universo das empresas publicas. O endividamento ronda os 800 milhões de euros e os novos acionistas terão de investir, até 2020, 350 milhões de euros, ou seja, menos de 20% da capacidade da empresa de gerar caixa.

Quando Fernando Pinto pilotava a Varig, ela trazia 3 bilhões de dólares de receitas anuais para o Brasil. Jogamos no lixo este ativo. Hoje não possuímos nenhuma estrutura que venda o Brasil na Europa, além da rede da TAP. Até um brasileiro pilota o escritório de Madri, para desespero e ódio dos concorrentes.

Na Europa toda o conceito de Reino Unido Portugal e Brasil existe quando se fala na TAP. O príncipe regente D. Joao, depois Rei D. João VI não imaginaria que, 200 anos depois, a fórmula que criou para participar da convenção de Viena, que redistribuiu o espolio de Napoleão, estaria viva.

O curioso é que o prazo que o Governo português tem para definir a “privatização” da TAP coincide com a semana dos 200 anos da batalha de Waterloo, ocorrida em 18 de junho de 1815. O governo tem até o dia 15 para se definir. Foi a derrota de Napoleão na Belgica (hoje sede da Comunidade Europeia) que gerou o reino Unido Portugal e Brasil.

Portugal não pode perder uma empresa que gera 1,5 bilhões de divisas por ano. Ela alterna a liderança como exportadora com a GALP, EDP e AutoEuro (Volks).

No seu comando os hoje portugueses Fernando Pinto, Luiz da Gama Mór e Manuel Torres souberam compreender Portugal e pensar grande. Quem está de fora tem uma reverencia a importância deste país e do seu povo, que muitas vezes é maior do que a visão portuguesa sobre si mesmo.

A TAP é referencia mundial não apenas pelo modelo de gestão que adotou nos últimos 14 anos, mas pela sua trajetória nestes 70 anos e pela capacidade técnica dos seus 7.5 mil trabalhadores diretos e os outros 2,8 mil do grupo TAP.

São gerações construindo uma empresa de elevada capacidade técnica e operacional. Por exemplo, um avião da TAP quando é tirado da frota consegue os mais altos preços do mercado pela excelência com o qual foi cuidado na frota. A companhia bate recordes mundiais na utilização da sua frota, principalmente no longo curso. Os aviões ficam parados o mínimo possível.

Para enfrentar os próximos 70 anos, a empresa precisa crescer e para que isso ocorra é necessário a equação que está sendo pilotada por Sérgio Monteiro, Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações .

O destino da TAP está nas mãos deste jovem de 41 anos e com larga experiência na gestão da PPPs - Parceria Público Privada em Portugal. A palavra final cabe ao super ministro da Economia António Pires de Lima de 52 anos, um economista, administrador de empresas e com experiência parlamentar. Cabe a eles separar o joio do trigo e buscar uma solução que preserve as conquistas da TAP e que gere musculatura para voos ainda maiores.

*Claudio Magnavita é jornalista, ex-secretário de Estado de Turismo do Rio e conselheiro do Conselho Consultivo da ANAC- Agência Nacional de Aviação Civil (Brasil)