Vinhos produzidos na região poderão agora estampar a Indicação Geográfica
Por Affonso Nunes
Considerada pelos especialistas como uma das melhores regiões produtoras de vinho no Brasil, a Campanha Gaúcha finalmente teve seu registro de Indicação Geográfica (IG) concedido. A autorização foi confirmada pela Revista da Propriedade Industrial. Editada pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial. A partir de agora, todos os produtores de vinhos que estiverem dentro da região demarcada e seguirem as normas contidas no regulamento de uso poderão utilizar a IG em seus produtos.
A delimitação territorial de 44.365 km² abrange municípios ou distritos de: Aceguá, Barra do Quaraí, Candiota, Hulha Negra, Itaqui, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento, Uruguaiana, Alegrete, Bagé, Piraí, José Otávio, Dom Pedrito, Ibaré, Maçambará, Bororé, Encruzilhada, Torquato Severo e Joca Tavares. A concessão está em nome da Associação dos Produtores de Vinhos Finos da Campanha Gaúcha, que reúne as principais vinícolas existentes na região.
O novo status está sendo brindado pelos produtores locais. “Recebemos com muita satisfação esta concessão após uma mobilização de quase dez anos. Hoje vamos comemorar bastante esta decisão, mas com uma cada um sua casa”, comentou Clori Peruzzo, da vinícola que leva o nome da família e presidente da Associação de Produtores. Clori acredita que a IG dará um novo patamar na organização locais dos vinhateiros e trará reflexos positivos para a atividade do enoturismo na região, assim que a pandemia passar.
Embora o registro da IG seja uma conquista recente, a Campanha possui um longo histórico de produção vitivinícola. Há registros de cultivo de uvas viníferas na região desde o começo do século 17, quando os jesuítas espanhóis por lá chegaram com a missão de colonizar a região e catequizar índios, trazendo junto mudas de vinhas europeias – voltadas para a produção de vinho para missa. A atividade foi interrompida por conta de conflitos entre as coroas de Portugal e Espanha, que culminaram na expulsão dos religiosos e o fim das Missões na região.
A produção renasceu em 1974 com a chegada da Almadén, subsidiária da americana National Distillers. Quatro anos depois, Juan Carrau fincou raízes na Campanha trazendo a experiência de suas origens espanholas e como produtor em Caxias do Sul desde 1968 (no Château Lacave).
O grande desenvolvimento da região se deu de 1995 a 2012. Segundo o Cadastro Vitícola da Embrapa. Nesse período, 1,3 mil hectares foram ocupados por vinhedos. Hoje, com dois mil hectares, a região já é a segunda maior produtora de vinhos finos do país, atrás apenas da Serra Gaúcha, e contando com 15 projetos distribuídos por 11 municípios, com destaque para a Miolo, Cordilheira de Santana e a Bueno Wines, de propriedade do locutor Galvão Bueno.
Ao contrário da Serra Gaúcha, onde sempre chove muito durante a colheita (o que compromete a concentração de açúcares as erem convertidos em álcool durante o processo fermentativo), o clima da campanha é mais favorável ao cultivo. As estações são bem definidas, invernos frios e úmidos, atingindo temperaturas negativas, com incidência de neve. Os verões têm dias quentes e noites frescas, gerando boa amplitude térmica, favorecendo a maturação das uvas e vinhos com melhor estrutura.
Esse boa combinação entre terra e clima é atestada pelo enólogo português Miguel Ângelo Vicente de Almeida. Há 14 safras vinificando no projeto Seival, da Miolo, ele observa que os verões secos e sequentes verificados na região exercem "um diferencial brutal" na elaboração de vinhos finos e espumantes. "E isto é apenas o começo, pois o Brasil tem outras regiões com vocação para os vinhos, cada uma à sua maneira. Entusiasta do vinho brasileiro, ele cita a Serra Catarinense, o Sul de São Paulo, o Sul de Minas, o cerrado e as boas experiências com agricultura irrigada no Vale do São Francisco, na divisa entre Bahia e Pernambuco.
Outro fator considerado positivo na região é que sua topografia plana favorece o trabalho mecanizado, diminuindo custos com mão de obra e representando preço final menor nos
vinhos. É da Campanha, então, que poderão vir vinhos com melhor relação qualidade-preço para satisfazer um público que tanto reivindica por vinhos brasileiros mais baratos.
Mas a região não é promissora apenas para vinhos jovens, de consumo imediato. A Campanha também é capaz de produzir rótulos de longa guarda. A Cordilheira de Santana, por exemplo, tem se destacado com vinhos de safras do início deste século, como os Cabernet Sauvignon, Tannat e Chardonnay, cheios de vitalidade, da safra histórica de 2005.