Argumentos da LATAM sobre o acidente com a VoePass não convencem.

Finalmente a LATAM respondeu, parcialmente, a consulta que o Correio da Manhã solicitou à empresa sobre a sua responsabilidade com os seus passageiros no voo da morte. A lacônica resposta só reafirma os fatos que apontamos. Diz a assessoria de imprensa da LATAM que começa o luto protocolar afirma a empresa:

"A companhia também esclarece que acordos comerciais de codeshare (código compartilhado) são frequentes na aviação brasileira e mundial. Atualmente, a LATAM mantém acordos de codeshare com empresas aéreas de todo o mundo, inclusive com a VoePass, a companhia aérea responsável pelo voo 2283.

Em um codeshare, uma empresa vende passagens aéreas de um voo, enquanto a outra empresa é a responsável por toda a operação do voo.

A empresa operadora do voo é quem responde por toda a gestão técnica e operacional, incluindo o atendimento aos passageiros nos aeroportos, o próprio voo e as suas eventuais contingências. Não se trata, portanto, de "transferência" ou "terceirização" de operações.

Antes de selecionar no site e comprar a sua passagem, o cliente é informado sobre qual é a companhia responsável por aquele voo e o modelo de aeronave. Estas informações são prestadas pela LATAM em seu site já no momento da busca pela passagem, antes mesmo do cliente decidir pela compra." Anexa também na sua nota, como referência, uma tela de um Code Share com a Ibéria em um Guarulhos/Madrid e outra com a Qatar Airways Guarulhos/Doha e finalmente a tela um Guarulhos/Ribeirão Preto, operado pela VoePass. Esta comparação é uma tentativa da LATAM de tapar o sol com a peneira. Vamos aos fatos :

1. A LATAM utiliza como cortina de fumaça acordos comerciais com gigantes da aviação, com reputação de manutenção, com frotas muito maiores do que a dela. Comparar a Ibéria com a Latam é o mesmo que comparar a empresa chilena com a VoePass. Nos casos internacionais escolhidos para ilustrar o code share, são voos ponto a ponto. Neste caso, a LATAM vende um bilhete da Ibéria e é remunerada por isso.

2. O caso da VoePass é um cenário diferente, aliás, bem diferente. A companhia regional funciona como uma alimentadora da LATAM. Foi firmado um acordo com injeção financeira, antecipação de receita e possível participação acionária. Para você ir de Cascavel a Fortaleza voaria com o mesmo bilhete até Guarulhos, prosseguindo com a empresa mãe. A maioria dos passageiros a bordo do ATR72 estavam com bilhetes LATAM.3. A LATAM envia, como exemplo, um voo ponto a ponto, um Guarulhos/Ribeirão. No caso do acidente, havia, por exemplo, um pai e uma filha que saíram de Cascavel para Florianópolis. Bilhete LATAM e estavam iniciando uma viagem onde compraram o destino final e não a escolha do primeiro trecho com a VoePass. Neste caso não há alternativa. Você compra Florianópolis e é colocado em uma ratoeira de forma compulsória. Os argumentos da companhia para se eximir da responsabilidade são pífios.

4. Um bilhete aéreo é um contrato de transporte. Os passageiros do Nordeste, que retornavam ao seu destino depois de uma convenção em Cascavel, saíram de suas casas com a LATAM e voaram de Guarulhos para o destino final totalmente sob o guarda chuva de vermelhinha. A perna Guarulhos/Cascavel teria de ser obrigatoriamente voada com a VoePass, sem que o passageiro tivesse direito a optar. No regresso a mesma coisa. O voo no trilho Cascavel/Guarulhos foi feito de forma compulsória. Sem direito de escolha. Era um voo de alimentação escolhido e pago no rateio do bilhete total pela própria LATAM. Comparar uma operação com estas características com um code share internacional é um escárnio.

A LATAM, que tem o seu quartel general em Santiago do Chile e tem como acionista os seus principais credores, está tendo uma atitude de desprezo com os seus passageiros que morreram no voo da morte.

Esta posição de lavar as mãos esconde o medo das ações de indenização que terá de enfrentar. Isso só agravará, no futuro, a posição da empresa.

Cabe a companhia aérea que aceita colocar os seus passageiros em um minúscula VoePass, com um prontuário de denúncias e manutenção falha, como o jornalismo investigativo tem demonstrado, a responsabilização pelos seus atos.  

Lamentável que a LATAM considere sua relação com a VoePass como um mero acordo comercial. Que transfira para o passageiro a responsabilidade de ter embarcado naquele ATR72, que ficou parado em Salvador depois de um acidente.

Só o CENIPA irá emitir o relatório final sobre o acidente. A palavra será deles. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, e o presidente da ANAC, Tiago Pereira, não podem ficar omissos à tentativa da LATAM de fingir que não tem nada com este problema.

Será que o governo Lula não aprendeu nada com o caos criado pelo acidente da Gol e da própria TAM? Serão cúmplices dos chilenos na tentativa de fugir das suas responsabilidades? Será que as autoridades não sabem que houve uma permuta dos valorizados slots da VoePass repassados a Latam?

O governo Lula não sabe que o CADE aprovou, este ano, que a Latam poderia ter 30% de ações da empresa em troca de investimentos? Apesar disso tudo, a LATAM tenta camuflar o seu protagonismo neste lamentável episódio.

O Código do Consumidor é claro: o contrato de transporte de grande parte dos passageiros que morreram era com a LATAM. Cadê a SENACON, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça?

E aí "caras pálidas"? Querem dizer ainda que a LATAM não tem responsabilidades com as suas vítimas neste episódio?

 

*Diretor de Redação do grupo Correio da Manhã